"Não basta dizer que se é consciente de algo; é-se, também, consciente de algo como sendo algo"



quinta-feira, 21 de abril de 2011

..:: Sobre a mulher que deu tabaco na presença do marido ::..



Quem perde o tempo no mundo só com conversa fiada 
bota falta em todo mundo, não nota virtude em nada. 
Se acaso engolisse a língua, morreria envenenada.

Às vezes contam estória, que nem sequer faz sentido, 
que no dia de São Nunca talvez tenha acontecido. 
Da mulher que deu tabaco, na presença do marido.

Dona Juca era dotada de perfumado sovaco, 
e quem ferisse uma perna numa queda ou num buraco, 
ela curava a ferida com o seu próprio tabaco.

Quando ela via uma desventurada pessoa 
horrivelmente gripada, soltando espirros à toa 
dava o tabaco, e aquela enferma ficava boa.

Seu marido Mororó dizia: - Você me insulta, 
quanto mais dá seu tabaco, mais a multidão se avulta. 
Assim, ou para com isso, ou eu vou cobrar consulta.

Mas Dona Juca dizia: - Essa bobagem não faça. 
Quando eu tenho algumas pratas, você bebe de cachaça. 
Cobre pelo seu trabalho, meu tabaco eu dou de graça.

Pau da vida, Mororó respondeu: - Aqui, ninguém 
vai mais pedir seu tabaco, pois pra mim não pega bem. 
Quem pedir o seu tabaco, você diga que não tem.

Porém, como aquilo tinha que acontecer um dia, 
quanto mais passava o tempo, mais a multidão crescia, 
procurando a Dona Juca, em magistral romaria.

Pra mostrar que Dona Juca tinha mesmo grande prova, 
basta dizer que uma velha, já com os dois pés na cova 
foi visitar Dona Juca, pra pedir pra ficar nova.

Dizia a velha aos presentes: - Não pensem que sou maluca, 
sou velha, porém não tenho qualquer problema na cuca. 
Tenho fé no milagroso tabaco da Dona Juca.

E disse mais a velhinha: - Todo mundo tem fé nela, 
não há esse que não queira ao menos sonhar com ela, 
pedir pra sentir o cheiro que tem o tabaco dela.

Conselhos de medicina da nossa grande nação 
pediram que o governo procedesse intervenção. 
De Juca, o curandeirismo, a pronta proibição.

A população local lançou logo um manifesto 
e contra a proibição uma nota de protesto, 
achando que o conselheiro devia ser mais modesto.

A imprensa curiosa, rádio, TVs e jornais, 
volantes de reportagens e as emissoras locais, 
mandaram à casa de Juca os seus profissionais.

Muitas pessoas movidas por humanos sentimentos, 
na casa de Dona Juca armaram acampamentos, 
assistindo a cobertura de tais acontecimentos.

E os poetas distantes, da vigilância da Lapa, 
faziam suas propagandas enquanto bebiam garapa, 
exibindo seus folhetos com Dona Juca na capa.

Numa bengala escorado, um doente entrou na sala, 
quando cheirou o tabaco, readquiriu a fala. 
Pra provar que ficou bom, rebolou fora a bengala.

Nunca a fama de um vivente depressa se espalhou tanto 
nos quatro cantos do mundo. O seu nome em cada canto 
desfrutava do respeito, do mais milagroso santo.

Quando nem a medicina dava esperança sequer 
ao enfermo, ele inda tinha uma fezinha qualquer, 
no tabaco milagroso, daquela santa mulher. 

E a própria natureza como que para testar 
o poder que possuia o tabaco de curar, 
fez aparecer doenças muito estranhas no lugar.

Por exemplo, na cabeça de um sujeito, ainda moço 
apareceu certo dia uma espécie de caroço, 
um par de colossais chifres, um mais fino, outro mais grosso. 

O rapaz, secretamente, foi ao lar de Dona Juca 
e disse: - Um dia eu senti na testa uma dor maluca, 
depois nasceu esses troços no alto da minha cuca.

Dona Juca disse: - O meu tabaco pode curar, 
porém a sua mulher terá que colaborar, 
pois do jeito que ela faz, nem adianta tentar. 

Este negócio de chifre não é um costume novo. 
Eu esfrego meu tabaco, ela pede fumo ao povo. 
Eu sei que existe a chuva, porém eu mesmo não chovo.

O rapaz chegando em casa disse pra Conceição: 
- O milagroso tabaco me tira desta aflição. 
No entanto, é necessário sua colaboração. 

Conceição, disse assustada: - Colaborar? Como assim? 
Não dê mais o seu tabaco, não seja assim tão ruim... 
É você dando o tabaco e nascendo chifre em mim.

Aí Conceição cortou os males pelas raízes 
e o pobre rapaz dos chifres também superou as crises. 
Viveram oitenta anos, extremamente felizes. 

Dona Juca recebeu parabéns até do Doutor Zeca, 
que fizera experiência com sua própria cueca, 
e não conseguiu nascer cabelo em sua careca.

Passando a careca no tabaco prodigioso,
ficou cabeludo, e Zeca se tornou em fervoroso, 
romeiro de Santa Juca, do tabaco milagroso.

Cordel de Gonçalo Ferreira da Silva

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